[Artigo] Carnaval e permissividade

Em nosso círculo religioso, sempre costumamos fazer (e ouvir) críticas concernentes ao período de carnaval e suas festividades. Não faltam boas formações sobre a origem do carnaval: que esta festa é, em essência, religiosa e que se caracterizava pelo período que antecedia a um jejum, daí o termo carnaval, sem carne e, com o passar do tempo, a festa foi se tornando cada mais secularizada e distante do sentido religioso.

Porém, a despeito de todas as definições das origens desta palavra e desta festa – que são as mais variadas (algumas, por exemplo, encontram suas raízes entre os gregos antigos), – gostaria de contribuir com uma reflexão atualizada, ao mesmo tempo muito singela sobre este momento.

É curioso o frisson gerado com a proximidade deste feriado prolongado, os desfiles, as festas e os bailes realizados. Todos se propondo a oportunizar alegria aos seus participantes. Ainda mais em nosso país, com um povo tão sofrido, o carnaval aparece como o grande analgésico (para não chamar torpor alienante) das dores do mundo[1].

Caberia aqui uma grande discussão sobre o que seria, de fato, essa alegria tão buscada e “vivida” no carnaval, mas identificamos uma voz uníssona entre os que participam das festividades: diz-se que o carnaval é uma oportunidade para ser e fazer o que não se faria normalmente em outras épocas do ano. Sente-se livre e à vontade para ser o que não se é, para fazer o que não se faria e, com isso, tem-se a ideia de liberdade. Uma pseudo-liberdade.

Por exemplo, um homem pode se vestir de mulher sem ser identificado como travesti, um casal pode ter outros relacionamentos sem se considerar uma traição, pode-se beber e usar drogas sem receber o nome de viciado. Ou seja, vale tudo e, o que é feito no carnaval, fica no carnaval. O vício é passageiro, as relações são passageiras, os excessos são passageiros. Me pergunto: e a alegria? Tão buscada freneticamente, também ela é passageira? Diria: SIM! Muito passageira e efêmera.

Desfile de Escolas de Samba no Rio de Janeiro - Fonte: Google
Carro alegórico em Desfile de Escolas de Samba no Rio de Janeiro – Fonte: Google

Confronto esta permissividade extrema ao que nos ensina São Paulo, quando diz que “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém” (I Cor 6, 12). Será que, de fato, as pessoas se permitem, no carnaval, ser o que não são ou, na realidade, assumem o que são sem serem rechaçadas por isso?

Não tem como não comparar as festas de carnaval, com os retiros de carnaval. Diria que tanto em uma quanto em outra esfera cabe uma reflexão sobre a identidade do ser humano. Enquanto nas festas de carnaval, se usa fantasias, máscaras, dá-se livre vazão às paixões e impulsos, onde o indivíduo pode ser o que quiser, ou mesmo, esquecer um pouco de quem se é, nos retiros que carnaval (que cada vez mais se espalham e fortalecem no país), não receio em afirmar que, os que participam terminam por descobrir-se e lembrar de quem são de verdade: filhos e filhas amados de Deus.

Se, por um lado, o homem esquece-se de si, por outro, ele tem um encontro consigo mesmo. E encontra a si mesmo porque se encontra com Deus. Trago, aqui, as palavras do Papa: “somente Deus pode revelar ao homem o próprio homem”.

Se para alguns, o carnaval é uma oportunidade de alienação e esquecimento da realidade, de supressão dos sofrimentos por meio de uma alegria anestesiante, podemos dizer que os encontros (ou retiros) de carnaval surgem, exatamente, como o oposto: encontro com a própria realidade, oferta dos próprios males, configurando-os ao sofrimento de Cristo e, o mais importante: lembra-se de quem se é e “torna-se aquilo que se é”[2].

1900075_628955527158356_40382761_nSim, quando escolhemos a melhor parte, aquela que não nos será tirada[3], em vez nos ausentarmos da realidade em busca de uma alegria fugaz, esquecimento momentâneo de si, vivenciando um alter ego deturpado, podemos, em Deus, nos deixar preencher por seu amor. Assim, as máscaras caem, as fantasias não são mais necessárias e a alegria, aquela que não passa, enfim, é encontrada, pois, finalmente, fizemos a experiência pessoal de que somos filhos amados de Deus, nos quais Ele põe toda sua afeição[4].

 

 

Francisco Elvis Rodrigues Oliveira
Coord. Estadual Min. Pregação – RCC/CE

[1] Parafraseando o filósofo Arthur Schopenhauer.

[2] Alusão ao Papa João Paulo II, que, na Famialiris Consortio, escreveu: “Família, torna-te aquilo que és”.

[3] Cf. Lc 10, 38-42

[4] Cf. Mt 3, 17

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